sexta-feira, 14 de março de 2008

Delhi

Nem faz tanto tempo assim. Na verdade agora parece bem mais. Mas são apenas dois anos, dois anos desde a minha viagem à Índia. Às vezes penso que tudo não passou de um sonho. Todas as memórias parecem tão distantes, tão quase impossíveis! Então olho as fotos, as milhares de fotos que tirei, e provo para mim mesma que foi real, que realmente fiz essa viagem.


Índia...Incrível Índia! Como explicar? Volto a repetir que a minha primeira reação, ao sair do avião no aeroporto de Delhi foi de voltar pra dentro dele. Aeroporto internacional? Na teoria sim, recebe vôos de todas as outras partes do mundo. Mas, já ali, dentro de um lugar que eu imaginava ainda voltado para os turistas ocidentais, tive meu primeiro choque cultural.

Se tem uma coisa que não gosto é de ir ao banheiro em avião. Cheira mal e me dá enjôo. Fora que tenho nojo e prefiro me agüentar. Ainda mais porque tinha acabado de fazer escala em Munich, e devo dizer, que depois de todas as minhas viagens posso votar, com segurança, no aeroporto de Munich como o mais limpo de todos.

Em Delhi não tive coragem de usar o banheiro. Isso porque estava muito apertada. Se me lembro bem, são 9 horas de vôo desde Munich até Delhi, ou seja, 9 horas desde que havia usado o banheiro por última vez. E o banheiro de Delhi não ajudou muito. Sujo é pouco perto daquilo. Ainda achei muito estranho porque tinha uma torneira, ao lado da privada (nada de privadas troninho – a grande satisfação dos ocidentais – não, ali já no estilo indiano onde tem que ficar agachada e rezar para as pernas agüentarem) perto do chão. Não entendi nada. Também não entendi a ausência de papel higiênico. Na verdade, ainda bem que não entendi na hora, porque se soubesse, provavelmente teria dado meia volta e pego o primeiro avião para Espanha.

Primeira lição de cultura indiana: papel higiênico é um luxo! Um muito caro. Culturalmente, se limpam com a mão esquerda (e só a esquerda) e depois, supostamente, a lavam muito bem (hehe, pude ver a careta de todas as mulheres.Blergh!). Segundo eles, é mais higiênico. Se lavam ali, na hora h mesmo, em vez de se limparem com papel higiênico, que deixaria resquícios e esperarem a hora do banho para a limpeza mais profunda.

O que me leva a outra explicação. Comem com a mão direita (e somente com a direita, já que a esquerda, conforme explicado anteriormente, é usada para outros fins). Agora, com toda a globalização, podemos ver alguns usando talheres, o que indica uma certa “casta” social, já que implica também o uso de papel higiênico (algo bastante caro para o consumo do indiano normal).
Agora, não me perguntem o que acontece se quebram um dos braços. Prefiro não pensar nas possibilidades. Por sorte não pensei nisso lá. Mas sim cheguei a pensar que embora não comam com a mão esquerda, me parece muito difícil descascar e cortar uma cebola, ou mesmo picar uma cenoura com uma só mão. Estou segura que usam as duas, mas, enfim....

Por sorte para nós, turistas, os indianos se aproveitam de qualquer mercado e fizeram do papel higiênico uma venda segura, se pode encontrar em cada esquina, embora seja, claramente, bastante mais caro do que o esperado para os preços hindus. Mas, enfim, uma glória.

Saí do banheiro já sem vontade de utilizá-lo. E lá fomos nós em busca das malas. Acho minha mochila, mas nada da mochila da Lu. Cinco, dez minutos e nada. Até que reparamos num monte de malas que, Deus saberá o porquê, alguns trabalhadores do aeroporto vão separando no chão, ao lado da esteira. Lá no meio está a mochila da Lu.

Seguimos caminho para fora do aeroporto em busca de um táxi. Ai, então sim quis dar meia volta e desistir de tudo. A multidão de indianos, ali fora esperando gente, a sujeira a cor cinzenta do ambiente, sei lá, tudo bastante ameaçador. Acabamos pegando um táxi, que não tinha marcação alguma de táxi com um homem que dizia saber o endereço de onde queríamos ir.

O que me leva a outra explicação. Segundo um amigo nosso, que vai todos os anos para a Índia, o lugar mais barato de ficar em Delhi, e também o mais próximo das compras é em Pahar Ganj. É a verdade. Só que mais ou menos uma semana antes da nossa viagem explodiram uma bomba ali. Nossos pais, que antes já estavam em pânico com nossa viagem para a longínqua Índia, ficaram ainda mais desesperados. Mas, afinal, qual a probabilidade de que duas bombas explodam no mesmo lugar com diferença de uma semana?

Total, o homem do táxi fajuto rodou um pouco com a gente e afinal nos largou em uma agência turística, já que “não sabia” onde estava o tal bairro. Na tal agência nos ofereceram chai ( o típico chá hindu, composto de canela, chá preto, leite, gengibre e cravo, entre outros), nos sentaram e tentaram vender os pacotes turísticos disponíveis.

Explicamos que na verdade estávamos em busca do tal bairro e que queríamos encontrar um amigo nosso. Demos o celular de nosso amigo e o atendente ligoue voltou a ligar. Nada, fora de área, inexistente, sei lá (depois chegamos à conclusão que tinha discado mal, só para nos enganar). No pânico pensamos, bom, pra onde queríamos ir depois? Dharamshala. E lá vai o simpático atendente ligar para a compañia de ônibus que vendia passagem para lá. Tudo lotado. Mas em compensação ele podia oferecer um pacote lindo para....

O que seria ótimo, mas tínhamos dinheiro pra o pressuposto não turístico, onde tudo é cobrado em dólares, não em rúpias. E não queríamos um pacote turístico, queríamos encontrar nosso amigo, que estaria em Delhi naquele dia e que nos daria algumas indicações. Mas, enfim, os indianos são os indianos, e a partir do momento que vêem que já não podem fazer você comprar qualquer coisa param de te dar atenção. E foi o que aconteceu. Quando ficou claro que não compraríamos nada, fomos educadamente expulsadas.

E lá fomos nós, totalmente perdidas (eu desesperada), de mochilas nas costas, sem saber o que fazer. Até que, andando, chamamaos a tenção de um grupo de indianos (nada anormal na Índia) que nos chamou um motorikshaw, nossa salvação. E esse sim nos levou ao tão buscado hotel e ao tão esperado bairro. O hotel caquético parecia um sonho, com privada alta, digna de ocidentais e televisão mini. Por pura sorte encontramos nosso amigo na recepção, que já começava a ficar preocupado com a gente. E não, ele não tinha recebido nenhuma ligação no celular.

Em seguida nos levou para dar uma volta por Pahar Ganj.Sabem aquelas fotos do trânsito caótico da Índia? Não são exageradas. Descobrimos que o instrumento preferido dos hindus é a buzina. E são todos barbeiros. Na verdade dentro do caos há certa ordem, afinal não vi muitos acidentes. A preferência é das vacas. Depois dos veículos maiores. Até chegar nos pedestres. O que me lembra aquele jogo da galinha tentando cruzar a rua. Porque foi assim que me senti.

As vacas e suas necessidades em plena rua são uma realidade. Assim como o cheiro de xixi. Sim, xixi, culpa das inesquecíveis paredes públicas encontradas a cada esquina voltadas exclusivamente para que os homens tirem “água do joelho”. Já imaginaram isso com chuva?

Ali provamos por primeira vez o lassi. Numa esquina imunda, um fogo ao aberto, mas o segundo melhor que provei ao longo dos seguintes 3 meses. O lassi é um batido típico da Índia feito a base de iogurte com fruta e mel. Nada de liquidificador, porque senão o iogurte perde a consistência. Tudo batido à mão, do modo mais natural possível. Enfim, uma delícia.


Não levamos nem um dia para nos dar conta de que não queríamos ficar por ali nem mais um segundo (e ficamos muito surpreendidas ao encontrar muitas vagas no ônibus para Dharamshala). Muita poluição. Até respirar era difícil. Fora já o trauma dos hindus tentando capturar a sua atenção, perguntando seu país de origem a cada dois passos, vendendo qualquer coisa e negociando tudo. E também o Delhi é boa para fazer compras, cada bolsa, sapato, colchas lindas de morrer e muito, muito baratas. Mas, isso fica para o final da viagem. Impossível carregar tudo nas costas junto com a mochila.

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