quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sonhos

Nao lembro de, quando criança, ter tido o sonho de conhecer algum lugar específico no mundo. Nao lembro de ter sonhado conhecer a África ou Grécia, Japao, França ou qualquer outro lugar. Pelo contrário. Lembro de dois sonhos. O primeiro, de morar pra sempre na minha casa, no meu refúgio, no eternamente encantado Matutu. Ali era meu lugar, minha vida. Só ali podia ser livre.
O segundo implicava abrir mao ou adiar o primeiro. Queria ser veterinária. E ali, nao seria possível.
Se as coisas tivessem acontecido de outra forma, é possível que eu tivesse desistido desse sonho. Mas nao saíram como eu planejei, e por tentar realizá-lo, e por motivos pessoais, saí do Mautu, com o coraçao na mao e olhando pra trás.
Esse também nao consegui cumprir. Nao demorei a me dar conta que nao era aquilo que queria da minha vida. Estar sentada em uma sala de aula, todo o dia, por 5 anos, a vida passando lá fora. Nao queria ver os animais sofrendo. Queria vê-los livres. Queria que estivessem no Matutu.
Levei 2 anos, de luta interna, para tomar coragem de, sem avisar a ninguém da sala por vergonha, trancar a faculdade.
Assim que eu, menina bicho do mato, sem grandes ambiçoes, vim parar na Espanha. E viajei para a Índia. E ao redor da Europa. E coisas que nunca havia sonhado aconteceram. E por nao sonhá-las, por nao esperá-las, me supreenderam muito mais.
Chamo isso de Lei de Murphy . Nao que se algo puder dar errado, dará. Nao. Acho que se algo pode ser diferente daquilo que a gente espera, será. Se sai errado? Acho que nao. Sai simplesmente diferente.
Porque se nao fosse assim, se tudo acontecesse conforme o esperado. Se nao houvessem dificuldades, onde estariam as surpresas? Onde estariam as surpresas? Também nao existiriam as aventuras. Mas acima de tudo, nao haveriam aprendizados.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Aprendizado

Outro dia uma mulher foi mandada embora do trabalho. Faz pouco que estou lá, 3 semanas agora. Ainda nao a conhecia direito. Mulher tímida, cabeça sempre baixa, olhar arredio. Um pouco encurvada. Às vezes me parecia uma menina, às vezes uma senhora. Sempre com a mesma roupa, todos os dias.
Fui almoçar com ela apenas uma vez nesse tempo. Me impressionou que, ao contrário do que esperava, era uma mulher culta. Viajou por milhares de lugares, sozinha, acompanhada, como desse. Inglês fluente. Japonés também. Cursando universidade à distancia. Contente com o trabalho.
Perguntas superficiais. Me levaram a respostas inesperadas. Mulher divorciada. Com filho. Morando na casa dos pais. Mulher, mais uma, vítima de maus tratos por parte do marido. Mulher guerreira, capaz de se levantar de um casamento mal sucedido (quantas conseguiram?), superar um ano de depressao, levantar a cabeça e tentar seguir sua vida.
Meu filho me salvou, me disse. Porque se nao fosse por ele, nao teria saído, e quem sabe o que teria sido de mim. Venho sempre com essa blusa porque nao tenho outra. Mas ainda nao tenho vontade de comprar roupa nova. O dinheiro uso no meu filho.
Sua maneira de ser tomou outra forma para mim. Cada movimento passou a ter, a meu ver, uma carga emocional antes ignorada. E um aprendizado, doloroso, porém sempre presente, afinal, quem poderia esquecer?
Hoje o chefe veio nos explicar ligeiramente o porquê da demissao. Nao rendia muito. Nao tinha iniciativa. Muito calada. Demasiado tranquila.
Sua única preocupaçao, único objetivo, ser feliz.

Deus

Vejo rostos. Rostos nas sombras. Rostos nas nuvens. Inclusive em poças de agua. Rostos perdidos em pedras que encaram o horizonte. Ou montanhas cujo olhar se perde no céu azul. Vejo índios em manchas borrosas nos ladrilhos do banheiro. Anjos na janela embaçada. Fantasmas no escuro. Seres dançantes na fogueira. Vejo rostos se transformando quando os olhos se esquecem de piscar e tudo se torna escuro ao redor.
Ouço vozes no escuro. Ouço o sorriso do vento. O tranquilizante som das ondas do mar. Ouço a cachoeira molhando-me. A diversão das crianças no parque. O barulho das obras. O ladrar de um cachorro. O vaivém das pessoas. Ouço as árvores festejando a chuva e os passarinhos regozijando-se com o sol.
Sinto o perfume das flores. O cheiro do mar. Sinto o calor envolvendo meu corpo num dia de sol. Sinto o sabor salgado das lágrimas em um dia mais profundo. Me emociono com cenas tontas na TV. Me emociono com as crianças que morrem de fome na África. Me arrepio com uma história feliz. Sinto medo. Sinto saudade.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Infância

Tenho lembranças de uma infância quase perfeita. Quase, por alguns pontos obscuros e não merecedores de atenção nesse momento. Uma infância livre em um refúgio terrestre, refúgio esse que até hoje, mesmo longe há uns 7 anos, sigo chamando casa.
As pessoas se espantam ao saber que cresci com onças comendo carneiros e matando outros tantos de susto. Com cobras entrando em casa. Esquilos roubando brownie. E pássaros batendo a cabeça contra o vidro. Cresci andando a cavalo. Cresci correndo montanha abaixo. Tomando banhos de cachoeira no inverno. Acampando no quintal de casa. Cresci vendo castelos de bruxa em simples cupinzeiros. Vendo discos voadores em pedras cobertas de musgos.
A primeira vez que fui ao Matutu, ainda menina carioca, viciada em revistinhas da Mônica, perguntei a minha mãe se todos ali eram parentes do Chico Bento. Em alguma época, quase esquecida, lembro de ter falado "uai" e "sô", mas fora isso, nunca cheguei a ter o característico sotaque mineiro.
Nunca esqueço da escuridão das noites sem lua. E eu sempre tive medo do escuro, medo do que não podia ver e que ouvia atrás de mim. Pelo menos aprendi a conviver com esse medo, acostumada a voltar da casa das minhas amigas rezando todos os Pai Nosso e Ave Maria possíveis ao longo do caminho. Correndo na entradinha de casa e entrando com um portaço, me escondendo dos seres de fora. Quando me sentia muito corajosa, me forçava a andar e abrir a porta devagar, coraçao acelerado, sem olhar pra trás. Poucas vezes fui capaz de fazê-lo.
As festinhas, às escondidas, na escola, à luz de velas (quantos anos até chegar a eletrecidade?) e lampiões. E A Vez que fomos surpreendidos! Essa passou para a história dos que estavam presentes. E dos que não estavam também.
Pus o nome a uma pedra. Pedra Borboleta. E ali, todos a conhecem , em frente da minha casa. Ponto de encontro. E, ah, se pedras falassem...Melhor que não o façam! Anos depois, conversando com uma amiga, lembrei o porquê do nome. Afinal, por que borboleta? Assim queria chamar meu cavalo, se um dia o tivesse. Mas quando finalmente o tive, o chamei Trovão. E embora fosse louco, empinasse e se jogasse no chão, me arrependi muitíssimo de tê-lo vendido.
Não tínhamos televisão. Não tínhamos computador. Nem videogames. Nas noites de lua brincávamos de uivar. Nas noites sem lua brincávamos de vampiros. Em noites comuns, polícia e ladrão, adentrando-nos nas matas, escondendo-nos entre as árvores. Até que eu, numa noite desafortunada, meti a mão numa inesperada árvore de espinhos. De ali em diante só fiquei de guarda, plantada perto da prisão (um pequeno círculo de árvores), quando as meninas eram polícias (sempre jogávamos meninas contra meninos), para gritar quando vinha algum menino escorregadio (tiravam as blusas e saíam cheios de arranhões) vinha soltar a outro.
Na subida da escola, em dias de muito calor, parávamos na cachoeira, fazíamos fogueira e assávamos pinhões. Ou assaltávamos pitangas, limões e amoras a caminho de casa. E só voltávamos já no final da tarde, para desespero dos pais, que ainda tentaram colocar regras pra nos controlar.
Se provou impossível. Enfim, éramos livres. Pés descalços no chão de terra e sonhos espelhados no céu.

A criaçao

O pensamento de escrever um blog me ocorreu hoje, no trem, ipod tocando, vindo pro trabalho. Sempre quis escrever, idéias nao faltam, o que falta é prática, e finalmente, pensei, que talvez um blog fosse uma boa experiência.
Pensei em um trilhão de coisas, das quais, por não ter papel e caneta em mãos, acho que não lembro mais de nenhuma. Mas como já disse, idéias não faltam.
Algumas pessoas me dizem que vivo no mundo da lua. Não, vivo nesse mundo mesmo. Nesse e em mais alguns. Vivo em milhares de possibilidades para o momento presente. Vivo com memórias do passado, memórias de eventos reais, mas também de eventos imaginários. Vivo num mundo meu, mas criado a partir desse. A imaginção nos faz livres. Posso estar em um trem, fisicamente, mas quem sabe, só de olhar, onde realmente estou? Talvez em lugares que conheci, ou lugares desconhecidos, de céus verdes e águas vermelhas. Quem sabe?
Gosto de sentir o momento. Adoro sentir o vento tocando meu rosto e embaraçando meu cabelo (tá, talvez essa parte não seja tão boa para um cabelo rebelde como o meu, mas a sensação segue sendo ótima). Gosto de sentir a chuva, molhando, limpando a alma. Adoro ouvir o rugido do mar e o som dos trovões. Acho que são formas da natureza nos lembrar que está ali, e que fazemos parte dela.
Sim, porque quantos de nós prestamos atenção naquela árvore encurvada da esquina? Naquela em que cada mínimo milímetro fez uma força descomunal para crescer, indo contra a força da gravidade. Na pequena flor que nasce no meio do cimento, sabe-se lá surgida de onde. Ou entao no céu tocando o mar, espelhando-se, confundindo-se. Enfim, em cada momento, em cada respiro, em cada sorriso.
Assim que hoje, no trem, escutando música, olhei para as pessoas ao meu redor e só vi máscaras. Alguns sorrindo, outros sérios, outros como eu, tendo como companhia a solidão de um mp4. Mas dentro, lá dentro, fui incapaz de ver o que eram. Ou o que sentiam. Aquela mulher, tão séria, com o dedão machucado, estaria pensando em seus problemas, ou lembrando de momentos felizes? A menina, dormindo a seu lado, com que sonharia? Ou o homem, ao meu lado, movendo-se nervosamente, estaria prestes a ter uma importante reunião de negócios, ou seria sempre assim?
Me pergunto se todas essas perguntas passam na cabeça de todos nós, incapazes de estarmos sozinhos com nosso silêncio interior. Ou não, talvez sejam loucuras da minha cabeça, e sendo assim, por que não compartí-las....?