segunda-feira, 2 de julho de 2012

Cientista da alma

Ela era algo meio assim, etéreo, difícil de definir. Podia parecer com qualquer pessoa, e também era totalmente única. Tinha dias que era difícil reconhecê-la, apesar do físico ser sempre igual, era algo relacionado a atitude. Ninguém a entendia muito, porém ela pouco se importava. Dizia que era uma pesquisadora, embora nunca tivesse entrado em um laboratório e injetado substâncias estranhas em ratos. Andar com ela era como andar com alguém que sofre de amnésia. Mas não é que ela esquecia das coisas, pelo contrário, tinha uma memória excelente. Parecia esquecer sua reação à fatos vividos, ou do que gostava e do que não. Tudo começou numa manhã em que acordou de mal-humor, daqueles pesados, feios, com espinhos nas bordas, arranhando a quem se aproxima. Passou uma semana inteira assim, nem nenhuma razão. Estava tão chata que ela mesma não se suportava e decidiu se trancar no quarto até aquilo passar. E demorou. Mas ela achou uma solução. Tudo porque sonhou com um varal, cheio de roupas, velhas, novas, cinzentas, coloridas, roupas que balançavam no vento, e alguém colhia as roupas, escolhendo umas aqui, outras ali, deixando algumas para trás. Quando acordou do sonho, arregalou os olhos e riu. Decidiu, então criar seu próprio varal, só que em vez de pendurar roupas, colocaria atitudes, sentimentos, virtudes. Resolveu não só escolher a roupa que vestiria a cada dia, mas também sua personalidade. E tinha infinitas possibilidades a testar até chegar naquela que a agradasse totalmente. Era então, a cada dia uma nova pessoa que saía do quarto. Se renovava, se recriava depois de cada noite. Tentou a vaidade, pôs suas melhores roupas, pintou as unhas, escovou o cabelo, maquiou o rosto, e logo descobriu que a vaidade associada a uma atitude confiante era uma arma poderosa, capaz de virar cabeças e dobrar ideias. Tentou o orgulho e o preconceito e foi difícil conviver com ela nesse dia, impossível tentar mostrar que estava errada. Para compensar, o dia seguinte foi dedicado à humildade e à doçura e parecia tão frágil que a vontade era de ficar a seu lado durante todo o dia só para protegê-la. Pouco a pouco ela ia chegando às misturas apropriadas, em doses exatas, apesar de que sempre aparecia algo novo para testar. E vivia sorrindo pois chegara a conclusão que a felicidade era uma das poucas que podia ser usada em grandes doses sem contra indicações. Dizia que como era feita de água e que a água era algo fluido e mutável, assim também era ela. Uma pesquisadora da vida. Cientista da alma.

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