terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Infância

Tenho lembranças de uma infância quase perfeita. Quase, por alguns pontos obscuros e não merecedores de atenção nesse momento. Uma infância livre em um refúgio terrestre, refúgio esse que até hoje, mesmo longe há uns 7 anos, sigo chamando casa.
As pessoas se espantam ao saber que cresci com onças comendo carneiros e matando outros tantos de susto. Com cobras entrando em casa. Esquilos roubando brownie. E pássaros batendo a cabeça contra o vidro. Cresci andando a cavalo. Cresci correndo montanha abaixo. Tomando banhos de cachoeira no inverno. Acampando no quintal de casa. Cresci vendo castelos de bruxa em simples cupinzeiros. Vendo discos voadores em pedras cobertas de musgos.
A primeira vez que fui ao Matutu, ainda menina carioca, viciada em revistinhas da Mônica, perguntei a minha mãe se todos ali eram parentes do Chico Bento. Em alguma época, quase esquecida, lembro de ter falado "uai" e "sô", mas fora isso, nunca cheguei a ter o característico sotaque mineiro.
Nunca esqueço da escuridão das noites sem lua. E eu sempre tive medo do escuro, medo do que não podia ver e que ouvia atrás de mim. Pelo menos aprendi a conviver com esse medo, acostumada a voltar da casa das minhas amigas rezando todos os Pai Nosso e Ave Maria possíveis ao longo do caminho. Correndo na entradinha de casa e entrando com um portaço, me escondendo dos seres de fora. Quando me sentia muito corajosa, me forçava a andar e abrir a porta devagar, coraçao acelerado, sem olhar pra trás. Poucas vezes fui capaz de fazê-lo.
As festinhas, às escondidas, na escola, à luz de velas (quantos anos até chegar a eletrecidade?) e lampiões. E A Vez que fomos surpreendidos! Essa passou para a história dos que estavam presentes. E dos que não estavam também.
Pus o nome a uma pedra. Pedra Borboleta. E ali, todos a conhecem , em frente da minha casa. Ponto de encontro. E, ah, se pedras falassem...Melhor que não o façam! Anos depois, conversando com uma amiga, lembrei o porquê do nome. Afinal, por que borboleta? Assim queria chamar meu cavalo, se um dia o tivesse. Mas quando finalmente o tive, o chamei Trovão. E embora fosse louco, empinasse e se jogasse no chão, me arrependi muitíssimo de tê-lo vendido.
Não tínhamos televisão. Não tínhamos computador. Nem videogames. Nas noites de lua brincávamos de uivar. Nas noites sem lua brincávamos de vampiros. Em noites comuns, polícia e ladrão, adentrando-nos nas matas, escondendo-nos entre as árvores. Até que eu, numa noite desafortunada, meti a mão numa inesperada árvore de espinhos. De ali em diante só fiquei de guarda, plantada perto da prisão (um pequeno círculo de árvores), quando as meninas eram polícias (sempre jogávamos meninas contra meninos), para gritar quando vinha algum menino escorregadio (tiravam as blusas e saíam cheios de arranhões) vinha soltar a outro.
Na subida da escola, em dias de muito calor, parávamos na cachoeira, fazíamos fogueira e assávamos pinhões. Ou assaltávamos pitangas, limões e amoras a caminho de casa. E só voltávamos já no final da tarde, para desespero dos pais, que ainda tentaram colocar regras pra nos controlar.
Se provou impossível. Enfim, éramos livres. Pés descalços no chão de terra e sonhos espelhados no céu.

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